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5 Constitucionalismo 29 Capítulo I Constitucionalismo Sumário 1. Origem e conceito 2. Desenvolvimento: 2.1. Constitucionalismo antigo; 2.2. Constitucionalismo medieval; 2.3. Constitucionalismo moderno 3. Neoconstitucionalismo: 3.1. Patriotismo Constitucional; 3.2. Transconstitucionalismo. 1. ORIGEM E CONCEITO A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, mais especificamente, segundo Karl Loewenstein 1, ao povo hebreu, de onde partiram as primeiras manifestações deste movimento constitucional em busca de uma organização política da comunidade fundada na limitação do poder absoluto. De fato, explica Loewenstein que o regime teocrático dos hebreus se caracterizou fundamentalmente a partir da ideia de que o detentor do poder, longe de ostentar um poder absoluto e arbitrário, estava limitado pela lei do Senhor, que submetia igualmente os governantes e governados, radicando aí o modelo de Constituição material daquele povo. O conceito de constitucionalismo, portanto, está vinculado à noção e importância da Constituição, na medida em que é através da Constituição que aquele movimento pretende realizar o ideal de liberdade humana com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a governos arbitrários, independente de época e de lugar. Não pregava o constitucionalismo, advirta-se, a elaboração de Constituições, até porque, onde havia uma sociedade politicamente organizada já existia uma Constituição fixando-lhe os fundamentos de sua organização. Isso porque, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, havendo Estado, sempre houve e sempre haverá um complexo de normas fundamentais que dizem respeito com a sua estrutura, organização e atividade. O constitucionalismo se despontou no mundo como um movimento político e filosófico inspirado por ideias libertárias que reivindicou, desde seus primeiros passos, um modelo de organização política lastreada no respeito dos direitos dos governados e na limitação do poder dos governantes. É claro que, para o sucesso do constitucionalismo, agigantou-se a necessidade de que aquelas ideias libertárias fossem absorvidas pelas Constituições, que passaram a se distanciar da feição de cartas políticas a serviço do detentor absoluto do poder, para se transformarem em verdadeiras manifestações jurídicas que regulassem o fenômeno político e o exercício do poder, em benefício de um regime constitucional de liberdades públicas. Num primeiro momento, as propostas do constitucionalismo não estavam condicionadas à existência de Constituições escritas, mesmo porque, como alertou Loewenstein 2, o surgimento de Constituições escritas não se identifica com a origem do constitucionalismo. As Constituições escritas são produto do século XVIII, enquanto o 1. KARL LOEWENSTEIN, Teoria de la Constitución, p Ibidem, mesma página.




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6 30 Dirley da Cunha Júnior constitucionalismo tem a sua fase embrionária associada aos povos da antiguidade, com se noticiou acima. É preciso insistir, contudo, que mesmo antes do advento do chamado Estado de Direito, já existia um Estado, chamado Absoluto, fundado numa Constituição que prescrevia obediência irrestrita ao soberano. Sendo assim, o constitucionalis mo, como movimento, não se destinou a conferir Constituições aos Estados, que já as possuíam, pelo menos no sentido material, mas, sim, a fazer com que as Constituições (os Estados) abrigassem preceitos asseguradores da separação das funções estatais e dos direitos fundamentais 3. Nesse contexto, podemos afirmar, com o mestre baiano Edvaldo Brito, que o constitucionalismo é expressão da soberania popular que representa, em certo momento histórico, o deslocamento do eixo do poder, cuja titularidade ou exercício era exclusivamente do soberano DESENVOLVIMENTO Como visto acima, o constitucionalismo representou um importante movimento político e filosófico que se manifestou em diversas épocas e lugares. Por isso mesmo, há quem prefira chamá-lo de movimentos constitucionais 5 e identificá-lo, a partir de sua fase histórica e de suas características, como constitucionalismo antigo, medieval, moderno e contemporâneo Constitucionalismo antigo O constitucionalismo desenvolveu-se por toda a antiguidade clássica, tendo presença marcante nas cidades-estado gregas onde se consagrou, por quase dois séculos (V a III a.c.), um regime político-constitucional de democracia direta com absoluta igualdade entre governantes e governados, cujo poder político foi isonomicamente distribuído entre todos os cidadãos ativos. Em Atenas, por mais de dois séculos (de 501 a 338 a.c.), o poder político dos governantes foi rigorosamente limitado, não apenas pela soberania das leis, mas também pela instituição de um conjunto de mecanismos de cidadania ativa, em virtude dos quais o povo, pela primeira vez na História, governou-se a si mesmo. Como se sabe, a democracia ateniense consistiu, basicamente, na atribuição popular do poder de eleger os governantes e de tomar diretamente em Assembleia (a Ekklésia) as principais decisões políticas, como, v. g., a adoção de novas leis, a declaração de guerra e a conclusão de tratados de paz ou de aliança. Ademais disso, a soberania popular ativa abrangia um sistema de responsabilidades, pelo qual era permitido a qualquer cidadão mover uma ação criminal (apagoguê) contra os dirigentes políticos, devendo estes, ainda, ao deixarem os seus cargos, prestar contas de sua gestão perante o povo. Os cidadãos também tinham o direito de se opor, na reunião da Assembleia, a uma proposta de lei violadora da constituição (politéia) da cidade; ou, na hipótese de tal proposta já se encontrar aprovada e convertida em lei, de responsabilizar criminalmente o seu autor MICHEL TEMER, Elementos de Direito Constitucional, p Limites da Revisão Constitucional, p CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 2001, p. 41.


7 Constitucionalismo 31 A República romana (V a II a.c.) também foi palco importante para o amadurecimento das ideias constitucionalistas, sobretudo em razão de haver instituído um sistema de freios e contrapesos para dividir e limitar o poder político. Isto é, em Roma, com a instauração do governo republicano, o poder político passou a sofrer limitações, não propriamente pela soberania popular ativa nos moldes da democracia ateniense, mas em razão da elaboração de um complexo sistema de freios e contrapesos entre os diferentes órgãos políticos. Assim é que o processo legislativo ordinário (...) era de iniciativa dos cônsules, que redigiam o projeto. O projeto passava em seguida ao exame do Senado, que o aprovava com ou sem emendas, para ser finalmente submetido à votação do povo, reunido nos comícios Constitucionalismo medieval Mas foi na idade média, em especial com a Magna Carta inglesa de 1215, que o constitucionalismo logrou obter importantes vitórias com a limitação do poder absoluto do Rei, através do reconhecimento naquele texto escrito, que representou um pacto constitucional entre o Rei e a Nobreza e Igreja, da garantia da liberdade e da propriedade. Essa Declaração, consistente num pacto firmado em 1215 entre o Rei João Sem Terra e os Bispos e Barões ingleses, apesar de ter garantido tão somente privilégios feudais aos nobres ingleses, é considerada como marco de referência para algumas liberdades clássicas, como o devido processo legal, a liberdade de locomoção e a garantia da propriedade. O importante é destacar que a Magna Carta inaugurou a pedra fundamental para a construção da democracia moderna, pois, a partir dela, o poder do governante passou a ser limitado, não apenas por normas superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governados. A Magna Carta deixa implícito pela primeira vez na história política medieval, que o rei acha-se naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita Constitucionalismo moderno Após a Magna Carta inglesa, o constitucionalismo deslancha em direção à modernidade, ganhando novos contornos. A partir daí são elaborados importantes documentos constitucionais escritos (Petition of Rights, de 1628; Habeas Corpus Act, de 1679; Bill of Rights, de 1689, etc.), todos com vistas a realizar o discurso do movimento constitucionalista da época. No século XVIII, o constitucionalismo ganha significativo reforço com as ideias iluministas, a exemplo da doutrina do contrato social e dos direitos naturais, de filósofos como John Locke ( ), Monstesquieu ( ), Rousseau ( ) e Kant ( ), que se opunham aos governos absolutistas (luzes contra trevas), e que serviram de combustível para as revoluções liberais. Essas diversas fases de desenvolvimento do constitucionalismo têm gerado a distinção, frequentemente lembrada, entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno. Segundo Canotilho, numa acepção histórico-descritiva, fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, 7. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 2001, p COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 75.


8 32 Dirley da Cunha Júnior sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio nome indica, preten de opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais peran te o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentado num tempo longo, desde os fins da Idade Média até o século XVIII. 9 Designa, assim, de constitucionalismo antigo todo o esquema de organização político- -jurídica que precedeu o constitucionalismo moderno, como o constitucionalismo hebreu, o constitucionalismo grego, o constitucionalismo romano e o constitucionalismo inglês. No constitucionalismo antigo, a noção de Constituição é extremamente restrita, uma vez que era concebida como um texto não escrito, que visava tão só à organização política de velhos Estados e a limitar alguns órgãos do poder estatal (Executivo e Judiciário) com o reconhecimento de certos direitos fundamentais, cuja garantia se cingia no esperado respeito espontâneo do governante, uma vez que inexistia sanção contra o príncipe que desrespeitasse os direitos de seus súditos. Ademais, o Parlamento, considerado absoluto, não se vinculava às disposições constitucionais, não havendo possibilidade de controle de constitucionalidade dos atos parlamentares. O Parlamento podia, até, alterar a Constituição pelas vias ordinárias. O constitucionalismo moderno, contudo, surge vinculado à ideia de Constituição escrita, chegando a seu ápice político com as Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, de 1787, e da França, de 1791, revestindo-se de duas características marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais. Já no constitucionalismo moderno, a noção de Constituição envolve uma força capaz de limitar e vincular todos os órgãos do poder político. Por isso mesmo, a Constituição é concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma norma suprema e fundamental, porque hierarquicamente superior a todas as outras, das quais constitui o fundamento de validade que só pode ser alterado por procedimentos especiais e solenes previstos em seu próprio texto. Como decorrência disso, institui um sistema de responsabilização jurídico-política do poder que a desrespeitar, inclusive por meio do controle de constitucionalidade dos atos do Parlamento. Enfim, o constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da chamada constituição moderna, entendida como a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político. 10 Desdobrando esse conceito de Constituição, considerado por Canotilho como um conceito ideal, tem-se que ela deve ser entendida como: (1) uma norma jurídica fundamental plasmada num documento escrito; (2) uma declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia e, finalmente, (3) um instrumento de organização e disciplina do poder político, segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder limitado e moderado. O constitucionalismo moderno, portanto, deve ser visto como uma aspiração a uma Constituição escrita, que assegurasse a separação de Poderes e os direitos fundamentais, como modo de se opor ao poder absoluto, próprio das primeiras formas de Estado. Não é por acaso que as primeiras Constituições do mundo (exceto a norte-americana) trataram 9. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p. 48.


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